Segundo a PF, facção mantinha estrutura organizada para identificar e eliminar “decretados”; ao menos um homicídio, em Planaltina, teria sido motivado pelo esquema
Investigadores da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (FICCO) identificaram a atuação de uma estrutura criminosa sofisticada do Primeiro Comando da Capital (PCC) no Distrito Federal, responsável por planejar e autorizar execuções de integrantes e ex-integrantes considerados traidores. No centro do esquema estava a chamada “lista da morte”, um instrumento interno usado para marcar os chamados “decretados” — pessoas juradas de morte pela facção.
De acordo com as apurações, a engrenagem entrou em pleno funcionamento nos últimos meses no DF. Há indícios de que ao menos um homicídio tenha sido motivado diretamente pela inclusão do nome da vítima na lista. O caso mais emblemático ocorreu em setembro de 2024, em Planaltina, quando um homem apontado como “decretado” foi executado após tentar trair os interesses da facção.
As informações fazem parte da Operação Mosaico, deflagrada em 18 de dezembro, e revelam um modelo de atuação que vai além do tráfico de drogas. Segundo a FICCO, coordenada pela Polícia Federal (PF), a violência praticada pelo PCC deixou de ser impulsiva e passou a seguir um fluxo planejado, com decisões coletivas, registros internos e execução de ordens à distância.
Estrutura organizada
No topo desse modelo estava a lista com nomes de alvos a serem eliminados. O mecanismo funcionava para identificar, localizar e estabelecer prioridades entre integrantes considerados traidores, indisciplinados ou inimigos internos. A autorização para matar era tomada de forma coletiva dentro da facção.
As investigações apontam que, no Distrito Federal, o PCC operava com divisão clara de tarefas e hierarquia rígida. Havia núcleos específicos responsáveis por atividades administrativas do cotidiano criminoso. Um deles era o grupo da chamada “disciplina”, encarregado de vigiar, orientar e cobrar integrantes de menor hierarquia, principalmente os que estavam em liberdade.
Entre as funções do grupo estavam o controle de arrecadações financeiras, como “caixinhas” e rifas, a logística do tráfico de drogas, a obtenção de recursos para compra de armas e o monitoramento do comportamento e da lealdade dos membros da facção.
Comunicação e controle
Segundo a polícia, as listas da morte eram alimentadas a partir de uma rede de comunicação estruturada, que operava principalmente por meio de grupos de WhatsApp. Esses canais funcionavam como salas de comando, onde ordens eram transmitidas, rotinas eram controladas e alertas de segurança, emitidos.
Mensagens analisadas indicam que os integrantes monitoravam a movimentação policial, repassavam instruções de segurança, organizavam ações contra facções rivais e mantinham o controle sobre membros presos e soltos. O fluxo constante de informações ligava o DF a lideranças em outros estados, em um modelo descrito pelos investigadores como uma “franquia do crime”, sem limites geográficos.
Operação Mosaico
A estrutura começou a ser desmontada com a Operação Mosaico, que cumpriu 17 mandados de prisão temporária e 17 de busca e apreensão. As ações ocorreram em regiões administrativas como Ceilândia, Taguatinga, Planaltina, Samambaia, Santa Maria, Gama, Paranoá e Estrutural, além de cidades do Entorno, como Águas Lindas e Cidade Ocidental.
Mais de 100 policiais participaram da operação, com apoio da Polícia Civil e Militar do DF, da Secretaria Nacional de Políticas Penais, da Secretaria de Administração Penitenciária e de equipes aéreas. A investigação teve início após a perícia em celulares e outros aparelhos eletrônicos apreendidos, que revelou a dimensão da rede criminosa e o planejamento de ações violentas, inclusive a partir de presídios.
Morte burocratizada
Para os investigadores, a “lista da morte” representa um dos aspectos mais sombrios do crime organizado: a morte tratada como decisão burocrática, tomada em grupo, registrada e executada sem contato direto entre mandantes e executores.
Cada nome incluído simboliza, segundo a polícia, a consolidação de um sistema em que a obediência é imposta pelo medo e a ruptura com a facção pode resultar em uma sentença irreversível. Apesar do impacto da Operação Mosaico, as autoridades afirmam que o caso evidencia o desafio contínuo de enfrentar organizações criminosas que se reinventam, se comunicam com rapidez e mantêm influência mesmo fora das ruas.
