Francisco Ribeiro, atualmente, trabalha como motorista de aplicativo. Nessa profissão, é comum que várias histórias sejam contadas de forma que a viagem acabe se transformando em um diário aberto. Tanto passageiro quanto motorista, quando abertos, contam de um tudo. E, dali, surgem coisas impressionantes. Ou, até mesmo, histórias comuns, mas, até nisso, surpreendentes. Além de motorista, Francisco é também estudante de jornalismo. Dessa profissão, ouvir histórias é também coisa comum: faz parte da labuta. Ou seja: ouvir histórias é coisa que ele faz sempre.
Foi dessa forma que ele decidiu unir as duas atividades: aproveitar que ouve essas histórias e, ancorado na academia, fazer um podcast dentro de seu próprio carro, com o qual trabalha no aplicativo. Foi assim que surgiu o “Na rua das ideais“: um podcast feito com os relatos que os passageiros contam, quando topam participar, é claro. As histórias ficam disponíveis nas redes sociais do projeto, no Instagram, no Facebook, no TikTok e no YouTube. E, nessas viagens, Francisco já ouviu de tudo. Dividir com os internautas é uma forma de mostrar que todo mundo tem história e que todas histórias são, sim, importantes.
O projeto surgiu neste ano. Mas a trajetória de Francisco é bem mais longa. Nascido em Dona Euzébia, o estudante de jornalismo começou trabalhando na roça mesmo, cortando cana, por exemplo, para ajudar a família e assim foi indo por um tempo. Mas, já menino, se via apaixonado pela comunicação, principalmente assistindo à televisão, que chegou a sua casa quando tinha dez anos. Para fazer o ensino médio, então segundo grau, precisou ir para Astolfo Dutra. “E eu queria ser artista”, conta. Lá, inclusive, abriu uma companhia de teatro que desenvolveu algumas peças na região.
A ideia de entrar na área da comunicação também seguiu forte dentro dele. Tanto que, quando se mudou para Juiz de Fora, aos 20 anos, tinha realmente a ideia de cursar Jornalismo ou Letras. “Era o meu plano A”, confessa. Ele, no entanto, não conseguiu entrar nessas faculdades. Quando conta essa história, faz uma menção ao livro de Christopher Vogler, “A jornada do escritor”, o autor que constituiu a chamada “jornada do herói”. “Naquela época, os guardiões da limiar foram mais fortes e eu acabei desistindo do meu sonho. Abriu uma lacuna na minha vida.”
Foi, então, quando ele se deparou com o “plano B”. Sua região é conhecida por ter um terreno fértil mesmo, onde as plantas são bem famosas. Ele decidiu se dedicar à área. Por 30 anos, trabalhou com jardinagem. Inclusive, ele conta que não queria ser apenas um “autodidata na área” e decidiu cursar Gestão Ambiental. Trabalhou em algumas empresas até montar a sua própria. “Eu queria escrever minha própria história”. Sua empresa acabou falindo, em 2019.
Francisco conta que entrou em depressão, porque acabou vendo mais um sonho se esvaindo. “Foi quando eu pensei que se quisesse tentar algo teria que ser naquele antigo ‘plano A’. “Foi, então, finalmente, cursar jornalismo. Um curso a distância em uma faculdade de São Paulo. Ao mesmo tempo, precisou encontrar um outro emprego para se manter. “Foi quando eu me deparei com o etarismo. Porque, já chegando aos 50 anos, as pessoas não contratam mais.” Ele decidiu, então, comprar um carro e atuar como motorista de aplicativo.
Juntando profissões
Apesar disso, Francisco conta que sentiu muito, mais uma vez, a mudança. “Porque jardinagem é arte. Eu trabalhava minha criatividade. Como motorista, não. Passava marcha, virava, andava. Eu não tinha como correr. Até que no começo desse ano, em uma aula, eu ouvi a frase de Marshall McLuhan (teórico da comunicação), do ‘O meio é a mensagem’. E isso mudou tudo. Decidi, então, criar esse podcast”. Quando se entra em seu carro, de cara, é possível ver um grande microfone e uma placa divulgando seu projeto. E o microfone, inclusive, foi ele mesmo quem fez.
Francisco conta que nem todo mundo identifica logo a possibilidade de participar do podcast. Mas tem quem, na hora, já pergunta do que se trata. Ele vai então explicando que é um podcast e a ideia é, basicamente, contar uma história. Tem gente que aceita, tem quem recusa, porque fala que não tem nada para contar. Francisco, então, como jornalista, guia a conversa de maneira a mostrar que todo mundo tem, sim, histórias para contar. E que esse processo é bem mais fácil do que se pode imaginar.
O motorista vai guiando também o papo. Ele foi criando alguns métodos que facilitam. Primeiro, usava as perguntas que se estuda na faculdade de jornalismo: “o quê, quem, como, quando, onde, por quê?”. Agora, ele tem rodado com a ideia de perguntar se o passageiro está onde desejava estar, quando mais novo, com essa idade. “E isso dá margem para várias coisas. Eu vou perguntando o motivo da resposta. E vai gerando várias coisas”, explica. “A gente entra nos detalhes.” E, quando está em casa, ele mesmo edita tudo para postar nas redes, de uma forma que fica ainda mais atrativo para que o vídeo seja, de fato, assistido.
Além de ouvir muitas histórias, Francisco conta que foi percebendo como cada pessoa é diferente, e como cada escolha pode mudar um rumo na vida. “As decisões na vida são como estradas. Uma decisão diferente pode mudar tudo”, reflete. Francisco guarda várias frases, de cabeça, e, durante a conversa, solta uma por uma, e elas validam toda essa trajetória. São frases que são de escritores e outras que fazem parte de um filme. E ele gosta disso até quando está entrevistando as pessoas para o podcast. “Eu sempre peço uma frase, quando a viagem está terminando. Porque é quando as pessoas colocam a alma para fora.”
No caso dessa entrevista, ele então aha que a frase mais coerente para se resumir tudo é: “Dê um passo e não estará mais no mesmo lugar”. E justifica: “Porque, por exemplo, quem diria que colocar um microfone no carro daria tão certo. Quando se decide mover, as coisas vão acontecendo. Eu, atualmente, caminho para me tornar um comunicador conhecido na região, quem sabe no Brasil. E faço isso a partir do hoje”. Mas, antes de terminar, uma ressalva: “Mas não pense que essas mudanças são fáceis, tá? É tudo muito doído. Eu tive que me livrar de várias amarras do passado para chegar onde estou hoje”.
Fonte: tribuna minas